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Servem só para dormir? Mitos e verdades sobre as benzodiazepinas
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Servem só para dormir? Mitos e verdades sobre as benzodiazepinas

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As benzodiazepinas são um grupo de fármacos com mais de 20 medicamentos vulgarmente conhecidos como “calmantes”, pelo efeito que têm no tratamento da ansiedade e das insónias. E, sempre que se fala nos países com maior consumo deste tipo de medicamentos, Portugal ocupa um lugar de destaque.

Os dados do relatório sobre “Substâncias Psicotrópicas – Estatísticas para 2020 e Avaliações Anuais Médicas e Requisitos Científicos para 2022” mostram que Portugal é o terceiro país com maior consumo de benzodiazepinas. O documento foi divulgado em março de 2023 pelo Conselho Internacional de Controlo de Narcóticos da ONU.

Mas a situação não é de agora: já em 2016, Portugal era “o país da OCDE com maior consumo reportado de ansiolíticos e hipnóticos sedativos”, segundo um relatório divulgado na página da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed).

No entanto, a utilização destes medicamentos pode gerar muitas dúvidas nos pacientes e há vários mitos que circulam nas redes sociais e na sabedoria popular. O Viral contactou dois especialistas para esclarecer os leitores sobre as principais questões.

Benzodiazepinas provocam dependência? Verdadeiro, mas

O risco de dependência é uma das principais preocupações que os pacientes manifestam quando lhes é prescrita uma benzodiazepina. De facto, os medicamentos deste grupo “podem causar dois tipos de dependência: física e psíquica”, explica ao Viral Rui Pinto, professor de Farmacologia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

Por um lado, a dependência psíquica ocorre quando o paciente acredita que só conseguirá voltar a acalmar-se ou a adormecer se tomar os medicamentos

Por outro, a dependência física está ligada à necessidade de o corpo receber a substância e pode levar ao aparecimento de sintomas associados à síndrome de abstinência quando a administração é interrompida.

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“A dependência está associada à dose e ao tempo de administração. Se tomar durante muito tempo, é natural que a dependência possa ocorrer”, explica o professor de farmacologia, lembrando que muitos pacientes tomam estes medicamentos “durante muitos meses”.

No mesmo sentido, Hugo Canas Simião, psiquiatra e somnologista na Clínica Teresa Rebelo Pinto de Psicologia do Sono e no Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, esclarece que, “idealmente”, estes medicamentos “devem ser utilizados por curtos períodos”, evitando que aumente a dependência.

“Quando existe uma toma continuada da substância, esta tende a causar dependência”, acrescenta, referindo que a administração diária não deve passar das três a quatro semanas.

Num artigo sobre o “Consumo em Portugal e o impacto na saúde”, publicado em 2019, é ainda destacado que o “o tratamento prolongado com benzodiazepinas pode originar tolerância”, dado que a toma prolongada faz com que “a sensibilidade dos recetores” fique reduzida, o que leva “a uma diminuição da resposta, mesmo não havendo abuso ou aumento da dose destes fármacos”. 

No Resumo das Características do Medicamento de um fármaco da família das benzodiazepina pode ler-se que estes fármacos podem “levar ao desenvolvimento de dependência física e psíquica destes medicamentos”, aumentando o risco “com a dose e com a duração do tratamento”.

“A dependência pode ocorrer em doses terapêuticas e/ou em doentes sem fatores de risco individuais”, pode ainda ler-se.

No mesmo documento escreve-se que há “um maior risco de dependência com a utilização concomitante de várias benzodiazepinas, independentemente da indicação ansiolítica ou hipnótica” e assinala-se que “foram também notificados casos de utilização excessiva.”

Noutro plano, Hugo Canas Simião acrescenta que o risco de adição é maior “em pacientes com doença mental não tratada ou com dependências prévias”. 

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Ainda assim, se toma este medicamento há vários meses – ou até anos –, não deve interromper a administração repentinamente. 

“A suspensão deve ser sempre feita de acordo com a indicação médica. O paciente deve seguir as indicações próprias para parar a toma”, afirma o psiquiatra.

Parar o tratamento com benzodiazepinas deve ser sempre “gradual”, afirma Rui Pinto. Ao reduzir a dosagem sucessivamente irá “evitar os efeitos da síndrome de privação”.

Poderá ter sintomas como dificuldade em adormecer, perturbações de sono ou pesadelos, assim como sentimentos depressivos, mudanças de humor e ataques de pânico. 

São também sintomas a fadiga e a falta de energia, as náuseas ou a perda de apetite, os tremores e as dores de cabeça, as palpitações ou coração acelerado. É ainda comum aparecer um gosto metálico na boca. 

O psiquiatra lembra, contudo, que “não é por tomar uma ou duas vezes [benzodiazepinas] que vai ficar dependente”.

A toma de benzodiazepinas tem mais riscos para os idosos? Verdadeiro

A administração de benzodiazepinas em idosos deve ser evitada. Uma vez que estes fármacos atuam também ao nível do relaxamento muscular, a administração em pacientes de uma faixa etária mais avançada pode aumentar o risco de quedas e ter consequências sérias.

Rui Pinto explica que “o mecanismo de ação das benzodiazepinas provoca uma diminuição do tónus muscular, ficando fraco e relaxado”. 

Por já terem “uma maior tendência para quedas”, deve evitar-se a prescrição deste fármaco ou optar por dosagens mais pequenas em idosos.

No artigo supracitado, é referido que “o risco de ocorrência de quedas que levam a fraturas da anca é aumentado em mais de 50% na população geriátrica que toma benzodizepinas”.

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O investigador refere ainda que a administração deste fármacos numa população envelhecida “também se encontra muito relacionada com problemas cognitivos, sendo que estes podem ser primários ou já pré-existentes (e nestes casos agravam-se)”.

O Resumo das Características do Medicamento avança também que estes medicamentos “devem ser utilizados com precaução nos idosos, devido ao risco de sedação e/ou fraqueza muscular que pode originar quedas”, podendo ter “consequências sérias nesta população”.

Por essa razão, é recomendado que na população com idade mais avançada “seja seguido o princípio geral de utilização da menor dose eficaz” para “impedir o desenvolvimento de ataxia [dificuldade em manter a coordenação motora] ou sedação excessiva”.

Além do risco de quedas, a administração de benzodiazepinas numa faixa etária mais avançada “pode interferir com as funções cognitivas”, acrescenta Hugo Canas Simião. 

O psiquiatra explica que durante o período de vigília, “estes fármacos podem diminuir o estado de consciência e atenção” do paciente, assim como interferir “a capacidade de reter memória”.

Nos idosos, essa capacidade cognitiva já é, por si só, inferior, o que pode acelerar a perda de memória a curto e longo prazo.

Benzodiazepinas servem só para dormir? Falso

Apesar de “regularizarem o sono” e reduzirem as insónias, as benzodiazepinas “não são só para dormir”, afirma Rui Pinto. O especialista sublinha que estes fármacos são do grupo farmacoterapêutico ansiolíticos, sedativos e hipnóticos e atuam também no tratamento de ansiedade ou de ataques de pânico.

Além disso, algumas benzodiazepinas podem atuar como relaxante muscular. Em pacientes diagnosticados com epilepsia, alguns destes fármacos podem ter um efeito anticonvulcionante.

Os medicamentos da família das benzodiazepinas podem ter semi-vida curta ou longa, sendo que os que têm uma semi-vida curta atuam de forma mais rápida no organismo

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Por essa razão, podem também ser prescritos como fármacos de primeira linha em casos de depressão – complementando o efeito dos antidepressivos, que podem demorar mais tempo a ter efeitos.

Dados do Eurostat, referentes a 2019, colocavam Portugal no topo dos países com mais casos de depressão crónica da União Europeia, com 12,2% da população diagnosticada. Nesse anos, a média da UE rondava os 7,2%.

“As benzodiazepinas são bons fármacos quando utilizados adequadamente: por indicação médica, e quando existe necessidade”, afirma Hugo Canas Simião, lembrando que a venda destes medicamentos está sujeita a receita médica.

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Medicamentos | Saúde mental

27 Fev 2024 - 09:46

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